O Paradoxo da Velocidade: Como acelerar vendas complexas sem perder confiança.
- Vitor Hugo Vivaldini

- 13 de out.
- 6 min de leitura

O comprador B2B de hoje alterna de forma estável entre três modos de interação ao longo da jornada. Um terço presencial, um terço remoto, um terço autosserviço digital. Não existe canal preferido, existe ecossistema de compra. O vendedor que orquestra esse ecossistema reduz o arrependimento e aumenta a qualidade da decisão (Plotkin; Stanley; Harrison, 2024; Ehret; Johnston; Ritter, 2024; Gartner, 2023).
No entanto, há um paradoxo: embora a maioria dos compradores prefira uma experiência sem vendedor, as compras feitas com apoio humano apresentam menor propensão ao arrependimento. Em pesquisas recentes, o autosserviço digital aparece com uma probabilidade maior de arrependimento do que as compras assistidas (Gartner, 2023).
Como resolver isso?
Em vendas complexas, a lentidão não é um defeito, é uma característica. O problema não é a duração do ciclo, mas a forma como tentamos gerenciá-lo. Acelerar com pressão só desgasta a confiança. Acelerar com método constrói convicção.
Este artigo, baseado na minha experiência profissional e no que há de mais recente na pesquisa acadêmica e de mercado, oferece um guia para transformar a complexidade a seu favor.
1. O novo mapa da compra B2B: do funil ao ecossistema
O primeiro erro é pensar que você ainda vende para um "comitê de compras" estático. A compra organizacional hoje funciona como um ecossistema fluido, onde diferentes stakeholders entram e saem do processo conforme o momento (Ehret; Johnston; Ritter, 2024).
Não existe "o decisor". Existe um grupo de compra com 5 a 11 stakeholders (Gartner, 2023), cada um com suas metas. Ignorar essa realidade leva a erros clássicos:
Focar em convencer apenas o diretor, esquecendo que o time de TI, o jurídico e o financeiro têm poder de veto.
Apresentar a proposta antes de coconstruir os requisitos com as áreas técnicas.
Deixar seu "campeão" interno sem ferramentas para defender o projeto.
Seu papel não é mais empurrar o cliente por um funil, mas orquestrar o avanço dele por esse ecossistema.
2. Sua nova missão: facilitar tarefas com enquadramento e afirmação de valor
Em compras complexas, o cliente não avança de forma linear. Ele executa "tarefas" para reduzir incertezas (Purmonen; Jaakkola; Terho, 2023). Segundo a Gartner (2023), o papel do vendedor é facilitar essas tarefas usando duas lentes:
Enquadramento de Valor (Value Framing): ajudar o cliente a entender como uma solução pode melhorar seu trabalho ou o desempenho da empresa. É sobre abrir a mente para o novo.
Afirmação de Valor (Value Affirmation): ajudar o cliente a validar que a decisão de compra é a correta para ele, dando-lhe confiança. É sobre reduzir o medo de errar.
Sua missão muda para cada tarefa do cliente.
▶️Tarefa 1: reconhecer o problema.
O que o cliente faz: avalia se a dor de "não fazer nada" justifica o esforço da mudança.
Sua missão: ajudar a quantificar essa dor.
Na prática (Saúde Suplementar): uma operadora de saúde desconfia que perde milhões com desperdícios na jornada da conta médica, mas não sabe o tamanho do problema. O vendedor usa enquadramento de valor ao apresentar um benchmark do setor sobre o percentual médio de perdas com faturamento ineficiente. Depois, usa afirmação de valor ao oferecer uma análise diagnóstica de um lote de 1.000 contas anonimizadas do próprio cliente, revelando o potencial de economia específico daquela operação.
▶️Tarefa 2: explorar soluções.
O que o cliente faz: busca caminhos possíveis, muitas vezes em canais fora do seu controle.
Sua missão: ser um educador, não um vendedor.
Na prática (Farma): um hospital avalia se deve adotar um novo protocolo de tratamento para uma doença de alto custo. O vendedor da empresa farmacêutica usa enquadramento de valor ao promover um evento com um médico (Key Opinion Leader) que publicou estudos sobre a eficácia do novo tratamento. Em seguida, oferece afirmação de valor ao patrocinar um programa piloto com um pequeno grupo de pacientes do hospital, para demonstrar a viabilidade e os resultados clínicos no ambiente real da instituição.
▶️Tarefa 3: construir requisitos.
O que o cliente faz: define os critérios técnicos e regulatórios, envolvendo especialistas de diferentes áreas.
Sua missão: ser um cocriador.
Na prática (Agro): um grande produtor rural precisa definir a variedade de semente para a próxima safra. O vendedor usa enquadramento de valor ao apresentar um "Plano de Manejo" completo, com recomendações de plantio e defensivos. Em seguida, aplica a afirmação de valor ao trabalhar junto do agrônomo do cliente para cocriar um plano de plantio customizado para os talhões específicos da fazenda.
▶️Tarefa 4: selecionar o fornecedor.
O que o cliente faz: precisa justificar internamente por que sua solução é a escolha mais segura.
Sua missão: ser um facilitador de consenso.
Na prática (Agro): para convencer o produtor a investir em uma nova semente de maior custo, o vendedor entrega o "kit de defesa". Para enquadramento de valor, apresenta os resultados consolidados de áreas de teste na região. Para afirmação de valor, constrói um business case que utiliza os dados da própria fazenda (de uma área de teste anterior) para projetar o aumento de sacas por hectare e o ROI da safra.
Como resume a pesquisa, o vendedor moderno atua como um tradutor de risco, alguém que ajuda o cliente a sentir segurança em cada passo (Mukhopadhyay et al., 2025)..
3. As táticas do vendedor orquestrador
Vencer em ciclos longos depende de uma sequência de pequenas ações bem executadas. Uma revisão de 66 artigos acadêmicos identificou três categorias de táticas de micro nível que vendedores de alta performance utilizam (Rateb; Keating; Wang, 2025).
Táticas de gestão de stakeholders: ações para engajar, comunicar e construir confiança com todos os envolvidos. É a tática mais importante em qualquer estágio.
Táticas de produto: ações para demonstrar valor de forma concreta, como provas de valor e workshops de cocriação.
Táticas comerciais: ações de preço e contrato para reduzir o risco financeiro, como a construção de um business case que justifique o custo total de propriedade e termos contratuais flexíveis que se alinhem aos objetivos de longo prazo do cliente.
4. A gestão que cria ritmo e previsibilidade
Acelerar o ciclo de vendas não é sobre pressionar os vendedores, mas sobre consertar o sistema. A gestão de vendas precisa abandonar a cobrança por "número de propostas enviadas" e focar em métricas que realmente indicam progresso e saúde do funil.
Métricas que importam:
Tempo por tarefa do cliente: onde os negócios estão travando?
Número de funções engajadas no cliente: estamos construindo consenso?
Taxa de avanço entre tarefas: estamos conseguindo mover os negócios de forma consistente?
Win Rate a partir da oportunidade qualificada: qual nossa eficácia real?
Empresas que alinham marketing e vendas em "pods" multifuncionais (equipes ágeis que quebram os silos entre os departamentos) e mudam o foco de leads qualificados (MQLs) para "prontidão para a conversa" (conversation readiness) veem um engajamento de contas muito maior (Cruz et al., 2022).
Conclusão: a venda como estratégia em ação
Gerenciar vendas de ciclo longo é dominar a arte de reduzir a incerteza e construir consenso. É um jogo de paciência estratégica, onde a disciplina substitui a ansiedade e a prova de valor substitui o discurso.
Quando o vendedor deixa de ser um mero tirador de pedidos e se torna um orquestrador de decisões, ele não apenas vende mais, ele se torna parte da estratégia do cliente.
Referências
CRUZ, G. et al. Future of B2B sales: the big reframe. McKinsey & Company, 2022. Disponível em: https://www.mckinsey.com/capabilities/growth-marketing-and-sales/our-insights/future-of-b2b-sales-the-big-reframe. Acesso em: 8 out. 2025.
EHRET, M.; JOHNSTON, W. J.; RITTER, T. From buying centers to buying ecosystems: Advancing the B2B research journey. Industrial Marketing Management, v. 117, p. A10-A16, fev. 2024.
GARTNER. Gartner B2B buying report: how to adapt your sales and marketing strategies to the current state of B2B buying. 2023. Disponível em: https://www.gartner.com/en/marketing/insights/b2b-buying-journey. Acesso em: 8 out. 2025.
MUKHOPADHYAY, S. et al. Enhancing B2B sales through digital transformation: Insights into effective sales enablement. Industrial Marketing Management, v. 125, p. 29-47, fev. 2025.
PLOTKIN, C. L.; STANLEY, J.; HARRISON, L. Five fundamental truths: how B2B winners keep growing. McKinsey & Company, set. 2024. Disponível em: https://www.mckinsey.com/capabilities/growth-marketing-and-sales/our-insights/five-fundamental-truths-how-b2b-winners-keep-growing. Acesso em: 8 out. 2025.
PURMONEN, A.; JAAKKOLA, E.; TERHO, H. B2B customer journeys: conceptualization and an integrative framework. Industrial Marketing Management, v. 113, p. 74-87, ago. 2023.
RATEB, M. Z.; KEATING, B. W.; WANG, S. Micro-level tactics salespeople use to pursue large B2B deals: A semi-systematic review and research agenda. Industrial Marketing Management, v. 131, p. 17-30, jun. 2025.
SIEMIENIAKO, D.; MAKKONEN, H.; MITRĘGA, M. Buying center-selling center interaction as a driver for power dynamics in buyer-supplier relationships. Industrial Marketing Management, v. 114, p. 94-109, out. 2023.



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